Olá, internautas
Nesta quinta-feira (22/05), fui à Universidade de São Paulo
para acompanhar o “1º Congresso Internacional de Emissoras Públicas” promovido
pela Superintendência de Comunicação Social da USP com apoio da Rádio e TV
Cultura e da Rede Universitária de Rádios Brasileiras (Rubra). O evento que
debateu adaptação tecnológica, sustentabilidade financeira, independência
política e ameaças institucionais teve a coordenação do professor da ECA-USP
Eugênio Bucci com organização de Verônica Poli, da SCS, e da doutoranda da ECA
Gislene Nogueira.
Elcio Ramalho, chefe da redação brasileira da RFI (Rádio
França Internacional), destacou que o grupo France Médias Monde aparece numa
estrutura espalhada pelo mundo em 16 línguas (especialmente africanas, como
mandenkan, fulfulde, hauçá e sualli, em lugares com expressiva desinformação). Defendeu
que as emissoras públicas devem ir até onde o público está e adaptar-se à
linguagem de hoje em dia. A transformação digital do conglomerado é uma
premissa para ampliar a difusão da informação, seja no Instagram, X, WhatsApp
ou podcast, com a preocupação de informar, explicar e compartilhar
experiências. “Não pode deixar o terreno para os bárbaros. Devemos conviver com
as bolhas”, defendeu Ramalho.
A chefe de Desenvolvimento de Mídia e Mídia em Emergências da
Unesco, Mirta Lourenço, enfatizou que as emissoras públicas devem trabalhar com
a diversidade de perspectivas e incentivar a inclusão cultural para que a
democracia funcione. De acordo com Mirta, há uma concorrência pelo tempo de
atenção, já que o consumo de mídia é fragmentado em diferentes plataformas. Ainda
dentro dessa visão, o público fica em nichos, o que fortalece crenças,
preconceitos e polariza a sociedade. “Reduz o nível de conhecimento e cai a
qualidade em debates”, citou.
As emissoras públicas deveriam manter a sociedade unida,
trazendo diversidade de opiniões com informação correta para sustentar a
democracia. “A comunicação pública deve criar conteúdo diverso em diferentes
canais de divulgação e não conteúdo por afinidade. Ir à campo e ficar menos no
estúdio. Difusão junto às pessoas para que elas confiem na mídia. Conexão com
os cidadãos. Jornalismo de ação”, enumerou. Mirta ainda demonstrou preocupação
com o financiamento das emissoras públicas oriundo do governo na América Latina.
“Não tem liberdade. Afeta a credibilidade junto ao público”, frisou sobre a
perda de confiança.
A representante da Unesco defendeu que é necessário ampliar
a audiência com conteúdo de qualidade, verificado, com pluralidade de opinião e
proximidade. A mídia pública deveria ter uma programação linear e não linear,
seja em podcast ou streaming, para aumentar a distribuição do material
produzido e engajar as novas gerações, até mesmo entrar em comunidades do
Discord.
Já o editor público da PBS – Serviço Público de Radiodifusão
(EUA), Ricardo Sandoval-Palos, diferenciou as expressões informação errada e
desinformação. A primeira remete a uma falha do jornalista. Já a segunda
redunda na intenção proposital para submeter o interesse de alguma notícia a
algum grupo e moldar a opinião pública por autocratas e ditadores, inclusive com
o uso da inteligência artificial. Sandoval defendeu que a confiança é mais
importante que a objetividade. Revelou que a mídia mais confiável nos Estados
Unidos é um canal de previsão de tempo.
As emissoras públicas devem ser sempre próximas ao público
em um diálogo aberto e transparente. A PBS, por exemplo, produz documentários investigativos
que são editados em uma mídia e, ao mesmo tempo, todo o material bruto fica
disponível na plataforma online. Responde mensagens, através do Linkedin,
Bluesky, Facebook e X, além de promover encontros presenciais com a audiência,
até em pequenas cidades estadunidenses. “Confiança e engajamento para enfrentar
os autocratas”, resumiu.
O diretor geral do Canal 22 (Televisión Metropolitana S.A de C.V) no México, Alonso Millán Zepeda, destacou que a decisão de contar histórias não é neutra. “Contém ideologia.... Devemos politizar a cultura e culturalizar a política”, acredita. “Nossa tela é um espelho social... TV com e para o povo”, bradou. Zepeda disse que o canal deve contar as histórias dos mexicanos, especialmente das mulheres indígenas. “TV é uma fábrica de lembranças”, observou.
A superintendente de Comunicação da Universidade Federal de Sergipe, Maíra Bittencourt, revelou que, no Brasil, existem 730 emissoras públicas (universitárias, estaduais, municipais, Empresa Brasil de Comunicação, legislativas e outras educativas). Defendeu um porcentual obrigatório de publicidade institucional de governo em emissoras de comunicação pública, além de assegurar instâncias de participação social com uma política editorial clara, valorização da comunicação hiperlocal e segmentada e promoção da curadoria de conteúdo em épocas de saturação de informações.
Por fim, o administrador executivo da Televisão de
Moçambique – TVM, Sergio Marcos David Matusse, explanou o panorama da
comunicação pública em Moçambique. Disse que a Rádio Moçambique, herdada da era
colonial, e a TV Moçambique, que era estatal, se transformaram em públicas na
nomenclatura, mas a estrutura permanece. “Os espaços do telejornal continuaram os mesmos
dos tempos de estatal...A natureza do orçamento é a mesma da época de estatal”,
observou.
Matusse revelou que, mesmo com a entrada de grupos privados
na mídia televisiva nos anos 2000, a TV e Rádio Moçambique são as únicas, de
fato, nacionais e presentes em todas as regiões do país. O executivo observou
que, após a quebra do monopólio, a audiência migrou para a concorrência, especialmente
com a aquisição de telenovelas da TV Globo pelo Grupo Soico.
O moçambicano disse ainda que, mesmo não sendo estatais, o
setor privado mantém uma estreita relação com o Estado, inclusive a mídia “comercial”.
Citou que não há alternância de partido no poder, desde a independência de
Moçambique em 1975, e não há uma alteração de percepção sobre comunicação
pública.
O 1º Congresso Internacional de Emissoras Públicas rendeu bons
debates sobre o atual ecossistema informacional que passa por profundas
mudanças com a revolução tecnológica. Além disso, é um mais espaço que tenta
distinguir os campos das mídias pública, governamental e estatal.
Fabio Maksymczuk
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